"Como um vago trovão no céu nublado, trazendo chuva…
Como um vago trovão, mesmo sem chuva depois de chegar…"
Trecho de um Tanka, poema tradicional japonês (5/7/5/7/7 sílabas) presente no Man' yoshuu, compilação com mais de 4.500 poesias escritas entre os séculos VIII e IX
Baseado no filme de Makoto Shinkai de mesmo nome
Título do original: Kotonoha no Niwa
Roteiro: Makoto Shinkai
Arte: Midori Motobashi
Tradução: Sayuri Tanamate
Ano de lançamento do original: 2013
Anos de lançamento das edições brasileiras: 2016 (1ª Edição) e 2020 (2ª Edição)
Editora original: Kodansha
Editora brasileira: NewPop Editora
200 pags.
Sinopse
Takao Akizuki é um colegial que sonha em ser sapateiro e passa os dias desenhando e criando novos modelos. Numa manhã chuvosa, em uma de suas escapadas para desenhar, conhece Yukari Yukino no jardim. Os dois passam a conversar e uma conexão especial nasce; agora, sempre que chove durante a manhã, os dois se encontram no jardim.
⚖️Créditos da Sinopse: New Pop Editora
Inomináveis Saudações a todas e todos vós, Seres Do Mundo!
Como gotas de chuva, certos sentimentos escorrem pela pele, são absorvidos, mas nunca secam. Escorrem por entre as vias mais abertas do coração no meio do jardim das emoções. Escorrem por entre as estradas do sentimento mais nobre e suave que possa ser cultivado a partir do mais profundo do coração. Escorrem como os versos escritos em uma tarde chuvosa de uma romântica estação igualmente chuvosa. Em um dia chuvoso do ano de 2022, aos 29 de agosto, aqui onde resido, li este Mangá sobre um encontro de dois corações sob a chuva em um jardim. Algo que, para os menos sensíveis, pode ser bobo e trivial. Algo que, para os nada românticos do mundo, pode ser infantil e esquecível. Algo que, para os apegados apenas ao material, pode ser desprezível e descartável. No entanto, para o Poeta que eu sou, talvez um tanto quanto romântico e sonhador, é uma história com um significado de cada permanente gota de sentimento real em cada uma de suas gotas caindo como versos na forma de diálogos e desenhos.
A relação da chuva com a Poesia é uma recitação de sentidos expostos na leitura para quem aprecia o modo oriental de contar uma história: sem correria, sem afetação, sem afobação, na lentidão das palavras, atingindo certeiro a mente, o coração e a alma do leitor, no caso aqui da Arte do Mangá. Esta é a primeira obra de Makoto Shinkai que leio, mas já ouvi falar e li sobre a obra mais famosa dele, Your Name (uma das minhas próximas faturas aquisições). É um talento que faz jus ao nome que ele construiu, pois O Jardim Das Palavras tem aquele tipo de simplicidade evocatória das mais profundas paisagens do humano sentir. E a Arte limpa, discreta e muitas vezes onírica de Midori Motobashi expressa em cada linha uma declaração de Amor ao próprio Amor narrado a partir dos encontros em dias chuvosos em um jardim público. 70% do Mangá ocorre no espaço de uma pequena cobertura em um recanto daquele e é do ponto de vista de discretos observadores que os leitores são guiados para o passo a passo da construção de um respeitoso laço entre duas almas ligadas pelos versos que o cair da chuva recita.
Toda a história, no contexto de um plano definidor de sua essência, é um poema. Aqui quem se dirige a ti, leitora e leitor, é O Poeta que eu sou, não O Resenhador que muitas vezes também sou. Escrever de modo frio e desprovido de emoção sobre o que hoje li seria como mentir para minha própria condição de Poeta. Takao Akizuki e Yukari Yukino encontram-se dentro de um poema sem que percebam isto inicialmente. As estrofes se prolongam como a dança do cair das gotas do céu mesmo sob a luz solar. As estrofes declaram a identidade de ambos segundo o que as palavras que trocam recitam além do que chega-lhes aos lábios. As estrofes vão seguindo adiante, caminhantes, intrigantes, instigantes… A apreciação da linguagem antecede toda e qualquer proporção da mensagem oferecida em uma leitura atenta. Mergulhando poeticamente neste jardim, colhi sob a chuva de suas muitas manhãs o que o Roteirista e a Desenhista oferecem aos que são tocados por uma história como esta. A delicadeza deste romance é um raio riscando o céu seguido de um grande trovão instigando a tomada de uma ação.
E a ação não é abrupta, vem aqui a ser construída de um modo ajuizado, equilibrado e pontuado por diretrizes da sensibilidade de cada avançar de página. O sonho de Takao em ser um Sapateiro Profissional tem grande participação no processo desta poesia em forma de narrativo. O que move e paralisa Yukari também é participativo, um complemento da poesia de um sincero relacionamento. Ambos possuem seus limites e problemas, suas fraquezas e traumas. Ambos parecem náufragos no meio das muitas outras chuvas de acontecimentos do cotidiano. Ambos se situam como as letras das palavras que não foram ditas entre as palavras que proferiram. Um casal destinado a uma união acima da carnalidade e foi uma escolha sábia de Shinkai apenas propor suave Erotismo, algo um tanto quanto inocente se visto de perto com um olhar para a proposta de toda a história. Existem diversas maneiras de explorar os jardins corporais e muitas delas são chuvas de pensamentos. E ainda há as chuvas d'alma buscando nos jardins do coração os meios de um preenchimento que se aproxima de uma espiritualização plena. Pelo meu entendimento, pela minha visão, é assim que eu interpreto a intenção do Autor com esta história.
A diferença de idade entre os dois desaparece para dar lugar a uma sensação de constante identificação entre eles. Como se estivessem em uma terapia sem saber, Takao e Yukari dão-se as mãos para dançar no Jardim Das Poéticas Palavras. Jardim de romances sob a poesia da chuva. Jardim de romances sob a poesia do coração. Jardim de romances sob a poesia d'alma. E mesmo sem a chuva, o encontro de duas almas que precisam uma da outra atende a uma preciosidade única que vem a ter correspondência com muito mais do que qualquer humana palavra venha a expressar. A todas as românticas e românticos como eu, dentre os que lerão esta Resenha, recomendo esta obra perfeita no que propõe. Recomendação de um Ser nada romântico… ou seria eu um romântico enrustido?
Não me defino, apenas Sou. Não se definam, apenas Sejam. E visitem a este Jardim em um dia de chuva, sugiro uma leitura feita em um dia assim. Vós ireis entender o porquê desta minha recomendação final ao lerem as palavras neste Mangá ouvindo apenas o barulho da chuva do lado de fora de vossas casas.
Saudações Inomináveis a todas e todos vós, Seres Do Mundo!